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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Santa Cruz do Sul, RS, 22 de dezembro de 2009



Cheguei em Venâncio Aires, mas não houve como ficar. Na pousada indicada, a do centro, só um homem tomava conta, e com seus olhares estranhos levemente me levava ao quarto: uma cama de casal, dos locais mais abafados que vi, banheiro do lado de fora. O banheiro é aquele? É, é.

Tendo viajado o dia todo e sendo quase noite, tudo que eu queria era um banho, um local para relaxar. Mas entrando no banheiro não houve coragem. Era de um fedor descomunal, com pegadas de barro no chão, a pia de há dias, crosta de uso. Voltei ao quarto e passei a desconfiar da roupa de cama, com seus furinhos e sujeiras. A luz que acendi mal iluminava - era como aquelas de motel, que se liga para não se ver.

Tentei do celular falar com pessoas queridas, quem sabe assim me acalmo, quem sabe assim engulo mais esta até amanhã. Mas não pegava o sinal, maldita hora que resolvi desembarcar do ônibus aqui, pensei.

Tentei me acostumar com o cheiro, no quarto vizinho dormia o homem. Tudo cheirava a guardado, ao que não se move, tudo era fixo. E, saindo da pousada, perguntei se havia outro local, se era o único, e diziam que havia, mas era muito longe dali.



No meio da rua, cansada, suada, tomei uma decisão: chegaria hoje em Santa Cruz, 45min de onde estava agora. Se em sonho desejava chegar amanhã para uma última apresentação repleta de reencontros com pessoas queridas, optei por chegar em silêncio. Por mais de 20min chamei o homem que, não me ouvindo, permanecia a dormir. As últimas batidas foram como trovões na porta de madeira, não terei mais ônibus se não vieres, e lá veio ele com seus olhos estranhos a olhar-me inteirinha. Terei que ir embora, surgiu um imprevisto - não tive coragem de dizer a verdade, só queria sair dali.

Do dinheiro que paguei antecipado ficou com a metade, e eu que nem sequer sentei na cama, mas fique, não há de me faltar - pensei. Na rodoviária, silêncio e a moça do guichê - a última que sobrara - a avisar que o ônibus vem aí, é último também, ele passa no centro de Santa Cruz.

Sentada no escuro do banco com braços da rodoviária eu era só lembranças. Estava chegando ao fim minha viagem, dali a algumas horas era nova a fase que se iniciava em minha vida - este sonho que me acompanhou desde a juventude havia sido realizado, cedia espaço agora a outros, que já povoam a minha mente de estradas tortas.

E quando se está aonde se quer o tempo passa como aves que nem se vê mais as asas pela distância nos ares. Quando se está assim não há nada que amedronte mais que o chegar.



Estava feliz com o reencontrar, e de certa forma triste pelo parar. Mas sempre há o momento da pausa, o retomar de fôlego, o entrelaçar de braços. Sempre há o ponto no mapa que delimita o espaço, e diz fim, é aqui por agora.

Nas calçadas de Santa Cruz do Sul, ao descer do ônibus, o carrinho gritava em cada fresta que caía. Resmungava, tentava ficar. E no escuro da noite íamos em direção à casa de parentes. Acalenta, acalenta coração, e faz deste teu presente agora.
Chegando, o susto da tia. Já?? Não era amanhã? Já, cheguei.

O comércio aprumado para o Natal fechava suas portas e mais de 22h já eram, enquanto eu abraçava os tios e tia, as primas que me passavam com suas alturas e pés descalços.

Vendo-as depois de tanto tempo, crescidas e lindas jovens, vi o tempo a passar correndo em meus olhos escuros. É o tempo quem transforma os rostos, não os anos. Ele, absoluto, é quem dita quanto dura cada segundo, período que não condiz com os relógios, e que passa diferente por cada ser. E percebendo na minha viagem os 72 dias em que estive em companhia do acaso, vi que o entrelaçar de linhas do relógio é absolutamente confuso, e torpe, e por vezes falso. O tempo assim, visto em horas, é mera convenção de especialistas, ponto de vista dos relógios - como escreveu Mário, o Quintana. Meus poucos dias de viagem foram anos, décadas de vida. E chego mexida com tantas mudanças.



Dormi próximo às primas, com lençóis cheirosos. Dormi próximo à família que esperava encontrar há tanto, e nem conseguia acreditar em ali estar.

De manhã acordei cedo pelo hábito adquirido. Na casa com paredes levemente coloridas a faxineira, que vem uma vez por semana, me reconheceu, chamando-me pelo apelido de infância: “Nuni, como tá bonita! Veio da Bahia? Lá onde todos falam assim, arrastado, como o moço da novela?” Disse é, é, nem sabia de quem falava.

E próximo ao meio dia era eu quem esperava, ansiosa, pela chegada de minha mãe e irmão mais novo. Andava sem parar para um lado e o outro, será que está tudo bem? E ela, que durante todo esse período me esperou, veio faceira, e linda, sorridente com seus olhos azuis e com sua pequena sacola escura nas mãos.

Apresentei à tarde na praça, irmão Dudu enorme a carregar o carrinho com as malas, a ajudar na arrumação, a segurar a maleta. Primeira vez que viam, novidade ver a família gerada a assistir-me como palhaça, e a rir, e a vibrar comigo. Conhecidos e desconhecidos no mesmo lugar de sorrisos, e amigas, das mais antigas. E lá, enquanto eu apresentava e curtia os momentos, como criança a espiar pelos olhos recém abertos vi o olhar de orgulho de minha mãe.




Cheguei.
Cheguei, mãe.
E tenho-me cá a dançar uma valsa alegre com o tempo.

ROSTO, ainda em Caxias

Almoço em rodoviária estranha.
(Que sobe e desce é este que me cansa os pés?)

Comida a quilo, suco barato.
E lá pelo meio da batata frita dou de cara com um sujeito de há anos. Longa pausa. Paraliso. Sim, é o rosto dele quem diz que estou perto.

Fala, mas voz não há. Nunca havia reparado em suas bochechas salientes, seu nariz ‘abolotado’, sua forma esguia e contundente com que libera palavras. Só notara sempre sua careca, marca registrada, impecável e permanente.

Não lembrava de seu terno. Mas aquele ali, aquele que aparece na televisão, mudo e sério a balançar os lábios, é aquele mesmo de meus almoços diários, é aquele que sempre denunciava os abusos, as faltas, carências. Continua ele aqui, atrás das lentes, a falar no jornal que divide o dia. E eu cá chegando em silêncio percebo que o macarrão, assim, toma ares de casa de mãe e de tia. E eu cá chegando entendo também um pouco mais o papel dos e das jornalistas.

Caxias do Sul, RS, 21 de dezembro de 2009

Acordei cedo, 6 horas. O ônibus sai às sete, é o Nêgo quem o leva para a cidade. E vai junto Dona Lita, Marina, Dalvi. E vai junto Seu Alceu e mais um monte de gente.
Antes de sair a ‘chimia’ de uva, ameixa, o bolo de chocolate que aqui no sul chamam “Nêga Maluca”. Antes de sair abraços e obrigados, e um tchau à Vitória que se vira no colchão e dá adeus de olhos fechados, abraço forte.

Aqui tudo se faz, do alho ao sabão. Aqui tudo se tem, solidariedade, doses de carinho, animação. E até brigas, como em qualquer soma de gente.
Aqui Dalvi quis me pagar o trabalho, é pelos dias tirando ameixas. Disse não, foi querer meu o tirar. E então quis dar o dinheiro como contribuição pelo trabalho, o meu.

Viajando, pouco a pouco o ônibus esvaziou, e só restou eu a chegar na rodoviária. O Nêgo não me cobrou a passagem, boa sorte, vá em frente.

O abraço de Dona Lita pouco antes não esqueço, aconchegante, lembrou os de minha vó quando eu tinha meus dez anos de menina. E também vem comigo o despedir de Marina, que pegou a câmera fotográfica ontem sem que eu visse e gravou um depoimento de adeus.

As ameixas que colhi na Capela São Francisco, norte do Rio Grande do Sul, eram verdes. Deveriam ser porque demorariam a chegar no seu destino, tempo de amadurecimento. De cá, a última cidade que fico antes de Santa Cruz do Sul, as ameixas que colhi vão para Vitória da Conquista, Bahia, a primeira cidade que passei após a saída de Salvador.
O ciclo se fecha com espirais de abertura.

Capela São Francisco, RS, 19 de dezembro de 2009

PASSADO, PRESENTE


Quando nada se conhece não há nenhum registro de passado que aproxime dois mundos. E, não havendo passado, não há, ou raras vezes há, acolhimento, carinho, cuidado e proteção para com o outro.

O espetáculo “Re-Bolando com a Gringa Errante” serviu, neste caminhar e dentre outras coisas, como uma maneira de construir um presente/passado conjunto com as pessoas de cada povoado. Já disse Chacovachi que ninguém esquece quem um dia lhe fez sorrir. E é compartilhando, no espetáculo, bons sorrisos e situações inusitadas que foi tecido um passado comum, um registro na memória minha e deles e delas que nos tornava próximos.

Percebo, ao olhar o caminhar, que após a apresentação houve sempre uma aproximação maior: tratavam-me já como conhecida, familiar. E sentiam-se mais à vontade comigo.

Assim, o passado compartilhado faz, nesta viagem, um presente que sempre se renova, e que em pouco tempo nos aproxima - pessoas tão distantes no tempo/espaço e sempre tão próximas no humano. Tocando a mim e a eles como em um acordo mudo. E mútuo, e mútuo. Um passado todo nosso, intransferível, insubstituível e vivo (ao menos na memória que é a minha).

Capela São Francisco, 18 de dezembro de 2009






"Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente...
Verdade 
que se ia à missa quase só para namorar
mas tão inocentemente 
que não passava de um jeito, um tanto diferente, 
de rezar”       (Mário Quintana)




Aqui há tranqüilidade, há animação também, há.
Aqui há serviço muito, há fofoca muita, também há.

Tem o que ‘encuca’ com o pai,
tem o que foge do filho,
tem o filho da viúva que, para ela, tudo é.
Tem o que casa por dinheiro,
tem a que acorda no escuro para preparar o café.
Os bêbados, as bêbadas,
tem o que não ajuda o sogro,
a empregada que ganha bem,
tem os que caçam,
e até aquele que machucou o olho com chumbinho, vê só como foi, com um olho só e ainda consegue laçar.

Tem os machistas,
as que não cozinham,
as que cozinham até demais.

Trocas de receitas,
de cavalos,
de pomares,
tem até as que trocam maridos.

Umas 80 famílias,
média aproximada de 3 por grupo.
Tem gente de todo tipo
só não tem tristeza pro lado de cá.

Ou tem?

Tem, também tem.

SOBRE SOLIDÕES



Certa vez ouvi do Paulo Autran
em uma entrevista que dava a algum repórter curioso
que a solidão não é opção,
é, antes,
condição de vida.
Que somos sozinhos, não estamos
(agora, ou depois, ou em outros tempos).

Consigo ver isto.
É uma visão parecida com a saudade.

Tenho-me só em grandes companhias.
E às vezes acordo em silêncios de conversas e vejo, no olho do outro,
um caminho solitário
(e no meu, e no meu).

Tenho-me cansada de respostas prontas
e de perguntas que insistem em assustar, intercalando o futuro com o concreto puro, algo que não sei se há como associar.

Tenho a impressão, às vezes,
que o tempo que estou só é o mais tranqüilo dos tempos
Porque não há respostas
nem nada que não seja a parceria doce do agora.
Há apenas o café, a folha em branco, a vontade transformada sempre em vida
(como quando assistimos programas idiotas na TV sem medo de sermos descobertos por alguém que passa, e aponta, e ri).
As risadas alheias, estas me cansam - porque fazem de mim aquilo que não quero.

Sozinha posso não responder perguntas
E elas permanecem lá, a vagar,
porque mais importante que as respostas
são as perguntas.

Sozinha posso sentir solidão em paz.
Porque todos sentem, em algum momento
olham suas mãos nuas, por dentro e por fora cruas,
e vêem em si esta condição temida: sou só, só.

A solidão é um susto da vida.

Capela São Francisco, RS, 17 de dezembro de 2009

Conversando, sentindo e perguntando, resolvi ficar mais uns dias por aqui, dias suficientes para que a ida a Santa Cruz seja direto desta estrada. Não tenho pressa em conhecer outros lugares e pessoas porque há muito ainda a se conhecer por aqui com estas pessoas, estes lugares, e por notar sinceridade no insistir deles e delas para que eu fique mais um pouco.





 Hoje foi a formatura do período pré escolar da Vitória, a pequena. Fui convidada: é no salão da escola, em Monte Alegre, de manhã.
Não esperava tanto.





A solenidade, com direito a discursos das professoras e presença de autoridades locais, foi para cerca de quinze crianças vestidas com becas brancas e vermelhas. Filmagem, mesas para convidados separadas por alunos/as, salgados e refrigerantes. Promessa dos pequenos, de mão erguida: “sei que hora de brincar é brincar, e hora de estudar é estudar (...) seguindo em frente para o futuro do Brasil” - sim, falaram isto! No final, saindo a banca, uma apresentação dos pequenos ao som da Xuxa: vou pintar um arco-íris de energia. Cantávamos isto no meu tempo, não haverá nada mais criativo, e novo? E as crianças nervosas, sérias, seguiam a professora com suas cores desbotadas.

Perguntei depois à Vitória se havia gostado da cerimônia. A-do-rei! - disse. Pena não parecer, lá, criança. O único que vi se divertir era o Matheus, colega com síndrome de down que não parava na cadeira, divertindo a todos com seus sorrisos inusitados e seus abraços não programados.


Tão pequenos precisam, realmente, de momentos tão formais? Não será a infância período mais propício para o improviso, o aflorar de conhecimentos novos trazidos por eles e elas, e não os nossos - dos adultos que já se acomodaram com o viver?

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Capela São Francisco, RS, 16 de dezembro de 2009

PALHAÇAR


Hoje aconteceu algo incrível, destas coisas que acontecem só quando se está à beira de precipícios.
Marcamos apresentação, a segunda por aqui. No salão, como a primeira. No entanto com menos divulgação, já que permaneci mais nesta casa de sete pessoas que ao redor, pois há muito a se conhecer e fazer por aqui. Avisamos aos que chegavam, aos que passavam, apenas isto. E, depois destes últimos dias de sol, hoje choveu novamente pouco antes do horário marcado de apresentação, próximo das 21h.
Antes de me arrumar estava por demais tranquila, algo que, d’outras vezes que aconteceu, sempre teve má resultado: achando estar bem preparada, a apresentação era uma grande porcaria, sem trocas com o público. Mas hoje pensei quero que seja diferente, e corri pelas ruas escuras de palhaça embaixo de chuva para buscar energia para começar.

Chegando no salão, umas dez pessoas. Ai. Meu corpo gelou. Lembrei-me das apresentações anteriores para poucas pessoas, das repetições, do não conseguir dialogar, trocar, reagir e encarar os poucos como poucos. E em minha cabeça houve a reação: vou fazer para essas dez, exclusivo, posso me aproveitar disto. Irei tratá-los como únicos. E foi a melhor de todas as decisões que tomei.

Olhei os rostos e, brincando, descobri ser só umas três pessoas que não haviam assistido da outra vez. Chegaram Dona Lita, Tânia e Seu Nini, uma surpresa para mim, achei que tinham ido dormir após um dia inteiro, desde às 4h, de correrias e limpezas. E mais algumas pessoas que também já haviam assistido, totalizando cerca de 17 pessoas no salão. Comigo, comigo.

A apresentação foi só improvisos sobre situações do momento, e os números apenas anteparo. Mudei números de lugar, cortei parte de outros, pausava a música para aproveitar os instantes.

Atrevi-me a chamar Seu Nini para me ajudar no número do ovo, em que o ajudante, após um longo ‘preparo ridículo’ para tal, joga ao alto um ovo de verdade que pego e, pelos aplausos, acabo quebrando em mim. E ele veio tão prontamente que logo vi ser esta uma escolha das melhores. E o ‘preparo’ foi dos mais entregues que vi, o corpo de Seu Nini se contorcia com sons dos mais estranhos, e engraçados, alegres. Eu ria junto. E a galinha que fica sem cabeça. E até o ovo que caiu no chão sem que eu conseguisse pegá-lo, fazendo da madeira uma poça amarela, tudo coberto de sorrisos nossos.

O boneco também, senti uma harmonia como nunca com o público nesse animar compartilhado.
No entanto, o mais emocionante para mim ainda estava por vir. E veio depois do término, tendo eu agradecido a todos, dinheiro no chapéu, obrigado e boa noite. Mas não se moveram. Sentados em silêncio continuavam me olhando, até que, após um longo tempo de grilos, Dona Lita falou não queremos ir embora. Queremos ficar mais contigo. Eu recoloquei o nariz e disse então tá, sentada à beira do palco que quase não havia usado para ficar mais perto deles e delas. E ali, assim, aconteceu de tudo, danças, doces brincadeiras, com e sem falas, em tudo havia vida. Arrisco a confessar: dos melhores momentos que vivi enquanto palhaça. Em silêncio pouco depois agradecia a cada um e uma lá presentes por me permitirem viver esse momento, pra mim, tão cheio de magia. E agradeci a mim mesma por ter feito tantas saídas improvisadas antes de montar o espetáculo, saídas estas onde o único intuito era trocar com as pessoas e me divertir com o cotidiano, fazendo dele possibilidade risível de vida. Percebi que, sem este suporte e sem os mestres que tive, seria este um momento desastroso. Mas não foi, mas não foi.

Ali, no salão da Capela São Francisco, havia a troca com uma intensidade tão forte e viva que creio que jamais imaginarão, os e as que lá estiveram, o quanto este contato me deixou mexida. Foram momentos ímpares e que jamais haverei de esquecer. Havia confiança e respeito de todos os lados, e risos prolongados ecoando no grande salão. Havia vontade conjunta de lá estar, e felicidade que brota junto a grandes paixões. Momentos tão repletos de presente que o passado anda vivo em minha memória enquanto escrevo, galopando entre tudo que fui e tudo que esta experiência me permite ser.

Voltamos para casa juntos, Vitória agarrada em meu braço fino. “Quando crescer quero ser igualzinha a você” - disse ela. E pensei em silêncio: “quando crescer quero que todas as apresentações sejam trocas, como esta”.

Aos que lá estiveram agradeço aqui, com carinho tal que as páginas que escrevo não suportam. Aos que estão a me acolher em sua casa e também lá estiveram, Seu Nini, Dona Lita, Tânia, Vitória e Marina, não sabem o que significou para mim a presença, lá, de vocês. Possivelmente este rabiscar em caderno amarelo não chegará a muitos olhos, dificilmente aos seus. Mas o escrever é também oração, é também vibração, é pulsação de energias boas, e quero escrever seus nomes como forma de abraçar.



Capela São Francisco, RS, 15 de dezembro de 2009



Acordei novamente cedo para ajudar. Nem tanto como eles, que nunca vejo saindo. Mas pelas 7h 30min estava de pé, a última a levantar.

Como as meninas haviam ido para o colégio - últimos dias - eu cá fiquei a contribuir, como ontem no fim do dia, na limpeza da casa e no que podia com a cozinha. O rodeio rende, especialmente aos que organizam! As roupas sujas acumuladas deram serviço à Tânia por toda a manhã. “Os homens aqui não ajudam porque também trabalham, na roça, o dia todo” - dizia, não sei se por conformismo ou aceitação.

Eu fiz o que pude, e no final da manhã telefonamos a fim de saber se havia como, na quarta-feira, fazer uma última apresentação aqui no salão e, quiçá, apresentar um dia na escola das meninas em Monte Alegre. Dona Lita quem ligou para lá: “Oi, é a mãe do Zoreia.. Escuta, tem uma menina aqui lá da Bahia, e ela faz apresentação de teatro, é bem legal, pra criança e quem mais quiser ver. Ela tá começando, pensei nela apresentar aí pras crianças, na gente dar uma força pra ela, tá indo pra casa da mãe em Santa Cruz..” - atrás dela dei uma risada inocente, lembrando do caminhar de anos e do “começando” dito por ela.. é isso aí! Continuou: “É, aí cada um dá quanto pode.. Ah, é com ela que tem que falar? Tá, eu ligo mais tarde então.. Brigada, tchau!”

À tarde a moça retornou a ligação, daria para apresentar só na segunda, essa semana havia as provas finais. Disse ser tarde - é tempo demais para ficar por aqui, acho abuso, pensei. E disse que não daria, então, obrigada.







Depois fomos colher mais ameixas, e com mais pessoas colhendo fiquei um tempo sem bocó. Mas cansa-me ver outros trabalhando e não trabalhar junto, não suporto por nem cinco minutos. E dava um jeito de carregar os caixotes, colher colocando no boné, levando nas mãos. E comendo uma ou outra, porque ninguém é de ferro!









Já sinto vontade de seguir, embora aqui esteja maravilhoso o estar, e insistem para eu permanecer. Percebo que a tranqüilidade em eu ficar é o fato de sempre estar ajudando, disposta, com o que for. Mas coçam-me os pés para pegar a estrada, a mão para fazer bonecos, e aqui não há como. Faltam poucos dias até a chegada, estou bastante ansiosa.

Capela São Francisco, RS, 14 de dezembro de 2009

AMEIXAR, VERBO SABOROSO


Hoje no início da tarde fomos colher ameixas. Fomos Tânia, Dalvi - o filho de Dona Lita e a esposa dele - e eu junto para conhecer e ajudar, e as meninas junto para acompanhar.

Pega as bem maduras, coloca nos bocós - uma espécie de sacola de tecido grosso pendurada no ombro - e depois nos caixotes. As que tiver assim estão muito maduras, no ponto, não adianta colocar nos caixotes porque para vender vão chegar lá ruins, passadas. Pode comer se quiser, ou joga fora.
Fora nunca iam.

Eu não lembrava do gosto das ameixas: suculentas, doces, como quando se acaricia os lábios com algodão. Gostosas, muito! E pegava as ameixas, e tirava fotos, e colocava nos caixotes, e comia. Comi muitas, e Tânia ainda ajudava dando-me as saborosas, já havia ela comido demais. Quer? Quero, sempre. E conversávamos, como é lá na Bahia? Plantam o quê?

Voltei para casa contente, ‘ameixada’. Voltei sorridente, feliz com o ‘ameixar’.

Capela São Francisco, RS, 13 de dezembro de 2009

RODEIO - 2º DIA

“E agora vamos rezar um Pai Nosso em memória do nosso falecido amigo que mês passado nos deixou e foi laçar lá com Nosso Senhor: Pai Nosso que estás..” - todos os chapéus descumprindo sua função, nos braços, longe das cabeças.

Hoje pela manhã choveu no rodeio novamente. O barro fazia-se poça, a chuva fazia do tempo ainda um frio, como se de inverno - falavam as senhoras entre si. E depois, lentamente, o sol começou a espiar os cavalos, indo e vindo a avisar as nuvens dispersas.

Procurávamos pelo calor do sol como quem cata mosquitos ao dormir, acendendo a luz e observando gravemente as paredes brancas.

Em seguida, churrasco, churrasco! Se em Floripa a carne era rara e nos fartávamos de verduras e frutas, aqui é a carne quem dita o almoço, a salada e o pão são meros acompanhantes. Espetos enormes, carnes macias e suculentas ou a gosto do freguês. Aos vegetarianos peço que não leiam, mas comi com gosto cada pedaço! (Dia desses quis virar vegetariana. Mas em minha cabeça são as verduras também vivas, e as árvores, e vegetais, e frutas, tudo respira alma. Não comer vidas? Mas como?)



À tarde os pingos haviam ido embora de vez, e o chão mais seco permitia a passagem sem as crostas.
Na mangueira - aos não-gaúchos, local onde fica o gado antes de ser laçado pelos peões - as vacas mostravam-se cansadas, e cancelaram um dos campeonatos para que descansassem. E eu, que sempre fui contra rodeios e afins, vi que, ao menos neste, não maltratam as vacas, nem os bois, nem cavalos. Apenas correm, e em uma só laçada buscam acertar-lhes os chifres, encaminhando os animais em seguida até o local definido de término de cada tentativa. “Essa foi branca” - dizia o moço de fala rápida quando não acertavam a mira.



E na cozinha em meio às conversas tive, sem questionar e de repente, o primeiro retorno do meu trabalho: “aquela ali é a Genifer (a senhora apresentava-me à outra recém chegada), ela faz teatro. Se apresentou lá no salão, na sexta. Eu fui ver. Ela é quietinha assim agora, mas lá fez todo mundo rir.. eu mesma ri demais! Até quem não tá a fim de rir, tá meio cansada, dá boas risadas com ela!”. As demais concordaram com as cabeças e com os sorrisos, enquanto eu vibrava por dentro.

Capela São Francisco, RS, 12 de dezembro de 2009



RODEIO - 1º DIA

- Seu Nini, posso tirar uma foto do senhor?
- Só se for de nós dois juntos! - respondeu, rindo.
Estiquei o braço em frente e clic.
- E não é que ela conseguiu mesmo?! - riu mais, chamando os amigos para tirar mais fotos.

Hoje Seu Nini acordou pelas 4h, ouvi os ruídos. Foi arrumar a carne para a grande churrascada. E às 7h estávamos todos prontos, entre a combi e o caminhãozinho do Seu Geraldo em direção a Monte Alegre dos Campos, local do rodeio realizado pela família anualmente.
E entre bois e cavalos para lá e para cá, continuou a chuva. O chão era barro, só, crostas nos sapatos, dedos dos pés escorregando de lama que entrava pelos furos do colorido companheiro de andar. E ainda assim, com chuva e vento, o rodeio estava em uma organização só!

De um lado os bois e vacas a serem laçados, ali os peões que já participaram, lá o júri, em cima a copa, lanches, bebidas, e ali embaixo uma espécie de “sede para as prendas, prendinhas e senhoras, nossas queridas companheiras, sede esta com banheiro próprio” - anunciava o anunciante.


Sim, aqui há divisão bem clara de homens e mulheres. Por que não tem mulheres que laçam? - perguntei para uma senhora. Que tem, tem - disse - mas são bem poucas. A gente não gosta, não acha interesse..
As mulheres são responsáveis pela comida, pelos lanches, grande parte das vezes pelo cuidar das crianças e, depois, pela limpeza das roupas repletas de barro dos maridos. E limpeza dos talheres, chãos e afins. Eu, para mim, estranho e tenho o impulso de dizer não, assim não pode ser. Mas elas não reclamam. Na cozinha há sempre cucas, doces e conversas animadas. É quando se reúnem, nos rodeios, as famílias distantes, as amigas, ali na cozinha. Há como um acordo para que assim seja, cada grupo com suas tarefas, homens nisto, mulheres naquilo, como se tivesse havido um tempo em que tudo teve de ser definido, organizado, e ambas as partes preferiram assim - é o que parece, não digo que é o que foi. Aqui - na terra onde estou - há sempre trabalho. No parreiral, com o gado, os porcos, ameixas, nas casas. Os homens são todos fortes por ‘pegar pesado’ na roça, chão onde, plantando, quase tudo dá. As mulheres, por sua vez, ‘pegam pesado’ em casa, comida para muitos, limpeza. Não há ou há poucos que viajam em busca de trabalho, pois aqui trabalho não falta. “Só não trabalha quem não quer” - disse-me Dalvi dias desses. Mas é pesado, é pesado!

Dizem que os gaúchos são machistas. Não me atrevo a defender generalizações, já disse no último texto, para nenhum dos lados. Mas vejo o carinho que têm pelas mulheres, sabem que são essenciais, e na maioria das vezes as tratam bem, com cuidados. Se há a manutenção destas diferenças é porque a elas também agrada, ao menos é o que parece, aqui. Ou aceitam por tradição? Não sei. Contudo parece-me um acordo mútuo e tranqüilo.




E sempre há as exceções para manutenção das regras: mulheres que não aceitam, ficam em casa e não lavam uma só bombacha ou bota, homens que limpam a cozinha. Há de tudo, e sempre há de haver.

Em chuva, o frio aqui incendeia a alma. Congelando fiquei, porque desacostumei com o gelo do tempo, e passei a maior parte do dia me encolhendo em cantos tentando aquecer meu corpo magro. Fui para perto da churrasqueira grande com espetos numerados. E fiz com a boca ar frio para presentear a ponta dos dedos.
À noite Dona Lita esquentou a casa com o fogão a lenha. Leite quente, café, pastéis. Na casa são sete, entre vô e vó, dois filhos, uma nora e duas netas. Hoje estamos em onze: mais uma nora, sua mãe e irmã, e eu. Há muita generosidade nesta grande família, fila do banheiro, horários de cada um, respeito pelo espaço do outro. E, por haver muito a fazer, há muito com o que se preocupar, não são os momentos breves de encontros familiares na casa que geram discussão. (O trabalho não é, então, parceiro da união?)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

‘PRÉ – CONCEITOS REGIONAIS’

Questiono-me sobre o quê é cada qual, de onde vieram as definições que temos em mente sobre cada região ou estado brasileiro. Em minha experiência há só pessoas, que se diferenciam pelos sotaques e tipos físicos, mas que seguem padrões humanos muito próximos: grupos onde há uma variação dos mesmos sentimentos e formas de se viver e ver o outro.

Dizem que são os baianos preguiçosos, mas foi em Santa Catarina que vi uma moça perder o ônibus na rodoviária pela lerdeza do funcionário.
Dizem que o gaúcho é frio, mas foi em Minas que senti o maior de todos os gelos, a indiferença.
Ouvi dizer que se aproximar de nordestinos é muito mais fácil, mas no Rio Grande do Sul a aproximação veio deles, fui convidada para almoçar sem nem saberem quem eu era, o que não aconteceu em outros estados que passei.

Em todos os lugares veio gente puxando conversa. Em todos os lugares havia gente receosa. Em Campinarana, menos de 500 habitantes, um senhor não saía de casa com medo de que lhe roubassem. Em São Paulo nem sequer trancavam a porta. Em Curitiba uma moça grávida contava com a solidariedade de outros para voltar para casa da mãe, enquanto em Belo Horizonte os moradores de rua demonstravam simpatia para conseguir o que almejavam.

Em todos os lugares há gente explorando gente, das relações mais cobertas de esperteza às mais singelas. Em todos os lugares há quem se importe com isso, há os que fingem não ver e há os que vêem e não sabem como agir.

Há sempre pessoas solidárias, dispostas a ouvir, e pessoas egoístas, dispostas a ‘enxotar’ o novo.

Onde há gente há gente. E tenho visto que não importa de onde vieram, em que estado do Brasil se encontram, com que cultura dialogam: todos choram e todos dão boas risadas quando atiçados, há sempre lágrimas a transbordar e felicidade a inundar. E não há como generalizar comportamentos por regiões porque isso desconsidera o fato de que, bem lá no fundo, independente do tempo/espaço: somos da mesma raça de bichos, nascemos, crescemos, cremos, tentamos, conseguimos algo e morremos, em ciclos humanos intermináveis de esperança, parceria e solidão.

Capela São Francisco, RS, 11 de dezembro de 2009



Apresentação, hoje à noite.
Um pouco inquieta passei durante o dia, chegaram mais três crianças e, à tarde, mesclava entre brincar com eles e descansar para a apresentação.

Salão aberto, fui arrumar. O quê é isso? O quê é aquilo? – era a curiosidade em forma de meninas que tudo queriam saber. E chuva. Bastante. Pensei não vai ter mais ninguém, estrada de chão.. Mas apresento para quantos for.

Cheguei de guarda chuva colorido. Aqui as risadas são mais contidas, os aplausos mais recatados, mas nem por isso deixam de existir. E se os 50% da energia do espetáculo que corresponde ao retorno do público é afetado tudo o é, mas de minha parte fiz o melhor, como se a apresentação última fosse. Não há como ir acima do que compartilham, porque aí eu me torno uma idiota, uma palhaça de festa quando não há ânimo das crianças: ‘forsação de barra’; ‘retardadisse’. Mas há como ir até um certo pique sem que isso represente afetação demasiada, mantendo ainda o compartilhar e a troca com o público.

Embora cansados por demais pela organização do rodeio de amanhã e depois, após um dia de correrias, arrumações e corte de gado – 3 vacas – para alimentar a ‘peãozada’, tanto Dona Lita como Seu Nini compareceram. Adiaram a janta para assistir, e vi sorrisos em seus rostos exaustos de sono.
E, ao contrário do que pensei, umas cinqüentas pessoas compareceram, mais adultos que crianças. Enquanto lá fora a chuva inundava as pedras e compunha recital de barros, lá dentro, no salão, eram as flores de tecido que brotavam.

No final sempre há as pessoas que falam, as que calam, as crianças que observam e as que abraçam, aqui não foi diferente. E eu sem nunca saber ao certo onde toquei, onde não, o que fui para cada um, sigo com minhas suposições.

Voltamos na chuva, e, após a janta, Dona Lita e Tânia – sua nora, mãe das meninas – mostraram suas belezas em pano de pratos de toalhas: pinturas e crochês delicados e cuidadosos.
Dona Lita contou do acidente de carro que, há anos, levou seu pai e mãe. Com minúcias falou do momento em que soube das mortes, olhos como duas poças d’água de sal, e da família que se desmanchava após a tragédia. E depois espantou o choro e a chuva, tomara que pare até amanhã para o rodeio, vamos dormir, né?! Já é tarde!

Capela São Francisco, RS, 10 de dezembro de 2009



Saí de manhã, tracei no mapa alguns povoados próximos e peguei o primeiro ônibus para a região: às 11h.
No coração só alegria, alegria, a chave para se trocar. Querendo estar onde estou. E disposta a apresentar, independente de ficar ou não na região. Apresentar como palhaça e ver no que dá.

Fui até o povoado mais longínquo em que o ônibus chegava: Capela São Francisco, município de Monte Alegre dos Campos. E se sempre há receio na chegada, fiz bolas de gude do meu medo e joguei-as à terra, será o que tiver de ser, de minha parte farei de tudo para não haver tristeza.

As pessoas do ônibus desciam nos aproximados 30 km que separavam a grande Vacaria da Capela São Francisco. Já eram conhecidas do motorista, que as deixava em casa despedindo-se pelo nome. Eu fui a última a sair junto a um senhor, que logo perguntou procura a casa de alguém? Não, respondi sorridente, não conheço nada daqui. Vim pelo mapa, trabalho com teatro e vim conhecer aqui e ver se gostariam de assistir algo de teatro. Ele mostrou interesse, que legal, vai aqui na casa da Dona Lita, aqui todo mundo é gente boa!
Chamou por ela, a casa com flores em frente a parada do ônibus. Veio ela, nem sabia do que se tratava e já foi convidando, vem comer, almoça com a gente minha filha. Entrei. Havia bastante gente, boa tarde, boa tarde, um outro senhor que havia estado no ônibus sorriu – bem que eu vi que tu era de fora, nunca vi teu rosto antes. Fica a vontade!

Almoçando contei quem eu era, o quê fazia aqui, nossa, vem de tão longe?
Ah, tu pode falar com o pessoal do salão, pra apresentar ali.


Dali a pouco chegaram duas meninas do colégio, mais tarde fui saber: Marina, 9 para 10 anos, e Vitória, 6 anos. Essa última, a menor, olhou-me demoradamente em silêncio, estranhando-me com um princípio de sorriso nos lábios. Deu um “oi” e foi comer suas polentas.

O senhor, Seu Nini, disse que final de semana haveria um rodeio em Monte Alegre, quem sabe apresenta lá? Sábado e domingo, sendo hoje quinta. E depois, finalizado o almoço, em frente à casa passou um casal e me disseram: fale com eles a respeito do salão! Fui falar. Ah, por nós tudo bem, só tem que falar com o compadre porque a gente decide tudo junto.


Estavam de carro, fomos até a casa do compadre. Sentamos na varanda, as meninas foram junto, parreiral ao lado e chimarrão de mão em mão. Pode, claro. A gente podia marcar para amanhã à noite, sábado não tem aula e à noite é melhor, dá tempo do pessoal voltar do campo, da roça, tomar um banho. Vinte e uma horas, com esse horário de verão, é bom. Ficou marcado. Eu aviso no ônibus do colégio, eu ligo para o pessoal lá de cima, eu aviso quem for encontrando.

E “pousar”, na casa de quem? (Aqui se chama pousar o dormir).
Dona Lita – de Carmelita – já havia dito ser tranqüilo ficar por lá. Aqui é assim, tem muita gente, é meio bagunçado, simples, mas se tu não te importar, aqui sempre tem lugar pra mais um, pode ficar a vontade. E a família de compadres também ofereceu abrigo, e o casal que falei primeiro. Marilei, a mulher do primeiro casal, até insistiu que ficasse na casa dela – tenho um filho só, de 19 anos – mas a esta altura já havia me apegado às meninas, e elas insistiam que eu ficasse por aqui.

À tarde estas, Marina e Vitória, me levaram para conhecer o sítio em frente do avó, senhor do ônibus e do rodeio, Seu Nini. E lá corremos as três atrás das ovelhas, espantamos os quero-queros e, no parreiral, brincamos de entrevistas, de competições comendo uvas ainda verdes e de piadas. Tiramos fotos, andamos bastante e fomos até a “cidade dos segredos” – nome criado por Marina por lá haver grande quantidade da planta dentes-de-leão e por cada um ser, para ela, uma possibilidade de fazer um pedido em silêncio e assoprá-lo ao vento.







As meninas eram os seres mais livres que conheci. Não havia medo, nem nojo, nem lugar que não fossem (salvo o respeito que tinham pelas vacas que olhavam-nos como quem analisa presa frágil). E dentre piadas contadas, histórias e canções, Marina demonstrava seu conhecimento puro e cotidiano: tá vendo a grama aqui mais verde? É que as vacas fizeram aqui suas necessidades.. esterco, sabe? Por isso elas estão liberadas, podem fazer cocô e xixi onde quiser, é até bom! E ali é onde se coloca a uva, e o nome das plantas e animais, tudo Marina sabia. Enquanto isso Vitória era só sorrisos, curiosa e alegre com cada brincadeira proposta.

Ainda não sei quantos são na casa, nem o tempo que ficarei por aqui. Sei que há só alegria em mim, e não pretendo abandoná-la.