Páginas

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Capela São Francisco, RS, 12 de dezembro de 2009



RODEIO - 1º DIA

- Seu Nini, posso tirar uma foto do senhor?
- Só se for de nós dois juntos! - respondeu, rindo.
Estiquei o braço em frente e clic.
- E não é que ela conseguiu mesmo?! - riu mais, chamando os amigos para tirar mais fotos.

Hoje Seu Nini acordou pelas 4h, ouvi os ruídos. Foi arrumar a carne para a grande churrascada. E às 7h estávamos todos prontos, entre a combi e o caminhãozinho do Seu Geraldo em direção a Monte Alegre dos Campos, local do rodeio realizado pela família anualmente.
E entre bois e cavalos para lá e para cá, continuou a chuva. O chão era barro, só, crostas nos sapatos, dedos dos pés escorregando de lama que entrava pelos furos do colorido companheiro de andar. E ainda assim, com chuva e vento, o rodeio estava em uma organização só!

De um lado os bois e vacas a serem laçados, ali os peões que já participaram, lá o júri, em cima a copa, lanches, bebidas, e ali embaixo uma espécie de “sede para as prendas, prendinhas e senhoras, nossas queridas companheiras, sede esta com banheiro próprio” - anunciava o anunciante.


Sim, aqui há divisão bem clara de homens e mulheres. Por que não tem mulheres que laçam? - perguntei para uma senhora. Que tem, tem - disse - mas são bem poucas. A gente não gosta, não acha interesse..
As mulheres são responsáveis pela comida, pelos lanches, grande parte das vezes pelo cuidar das crianças e, depois, pela limpeza das roupas repletas de barro dos maridos. E limpeza dos talheres, chãos e afins. Eu, para mim, estranho e tenho o impulso de dizer não, assim não pode ser. Mas elas não reclamam. Na cozinha há sempre cucas, doces e conversas animadas. É quando se reúnem, nos rodeios, as famílias distantes, as amigas, ali na cozinha. Há como um acordo para que assim seja, cada grupo com suas tarefas, homens nisto, mulheres naquilo, como se tivesse havido um tempo em que tudo teve de ser definido, organizado, e ambas as partes preferiram assim - é o que parece, não digo que é o que foi. Aqui - na terra onde estou - há sempre trabalho. No parreiral, com o gado, os porcos, ameixas, nas casas. Os homens são todos fortes por ‘pegar pesado’ na roça, chão onde, plantando, quase tudo dá. As mulheres, por sua vez, ‘pegam pesado’ em casa, comida para muitos, limpeza. Não há ou há poucos que viajam em busca de trabalho, pois aqui trabalho não falta. “Só não trabalha quem não quer” - disse-me Dalvi dias desses. Mas é pesado, é pesado!

Dizem que os gaúchos são machistas. Não me atrevo a defender generalizações, já disse no último texto, para nenhum dos lados. Mas vejo o carinho que têm pelas mulheres, sabem que são essenciais, e na maioria das vezes as tratam bem, com cuidados. Se há a manutenção destas diferenças é porque a elas também agrada, ao menos é o que parece, aqui. Ou aceitam por tradição? Não sei. Contudo parece-me um acordo mútuo e tranqüilo.




E sempre há as exceções para manutenção das regras: mulheres que não aceitam, ficam em casa e não lavam uma só bombacha ou bota, homens que limpam a cozinha. Há de tudo, e sempre há de haver.

Em chuva, o frio aqui incendeia a alma. Congelando fiquei, porque desacostumei com o gelo do tempo, e passei a maior parte do dia me encolhendo em cantos tentando aquecer meu corpo magro. Fui para perto da churrasqueira grande com espetos numerados. E fiz com a boca ar frio para presentear a ponta dos dedos.
À noite Dona Lita esquentou a casa com o fogão a lenha. Leite quente, café, pastéis. Na casa são sete, entre vô e vó, dois filhos, uma nora e duas netas. Hoje estamos em onze: mais uma nora, sua mãe e irmã, e eu. Há muita generosidade nesta grande família, fila do banheiro, horários de cada um, respeito pelo espaço do outro. E, por haver muito a fazer, há muito com o que se preocupar, não são os momentos breves de encontros familiares na casa que geram discussão. (O trabalho não é, então, parceiro da união?)

Um comentário:

Angela disse...

Isto da divisão bem nítida do mundo feminino e mundo masculino é muito interessante. tantas coisas são facilitadas, uma vez que desde sempre meninos sabem o que a vida espera deles e as meninas idem.Parece um mundo mais fácil de entender desde logo.Também penso que isto so acontece em comunidades mais isoladas da massificação, onde tudo é mais fugidio, mais complexo, menos delimitado.Genifer, gostei muito do teu olhar atento para esta vída de "acordo mútuo" como muito bem dizes.