Entro no meu quarto dia aqui no povoado.
Sinto diferença, já. Conheço mais as pessoas e elas a mim, o que me permite ficar mais à vontade.
Havia pensado em acelerar o processo pela experiência mais do que intensa do dia 12. Mas fico feliz de ter permanecido aqui mais esse tempo. Já sinto certa rotina em meu dia.
Aqui há um grupo de teatro, começaram a pouco tempo. Desde que Matheus teve contato com um grupo de Itambé, e este – rapaz de cabelos negros e cacheados – começou a organizar o grupo daqui. Ontem teve apresentação, à noite, na escola. Uma história de terror, baseada em um filme que viram. Sangue de groselha, espingardas. Muitos saíram antes do fim, com medo. Fiz uma participação, havia faltado uma pessoa, e morri logo no início da peça.
Um belo grupo que promete, pela sua disponibilidade e organização!
DONA MARIA, A SENHORA QUE MORA NO CEMITÉRIO
Cá em cima do povoado tem um cemitério.
Poucos corpos, sem muros porque caíram e não tornaram a construir,
poucas flores.
De lá se vê bem a região inteira.
E é lá que mora Dona Maria.
Ela veio assim, ninguém sabe da onde.
Estava na estrada, solta
E para ajudar trouxeram ela para cá.
Fizeram uma casinha para ela, construíram.
Mas Dona Maria não quis ficar lá, foi para o cemitério.
Não sei se antes ou depois disso, engravidou
“Foi alguém que pegou ela na estrada” – dizem.
Teve o filho, mas este não resistiu e morreu.
Hoje ela mora lá, em outra casinha construída pelo povo há uns 25 anos
Dorme sobre a lápide do filho
E não faz medo às crianças da região.
Dias desses, eu levada pelas crianças pela mão para conhecer o povoado, falaram:
“Vamos visitar Dona Maria”
Todos concordaram, e lá fomos nós.
“Dona Maria, visita para a senhora!”
Aquele é o gatinho de D. Maria
E é cá que ela vive.
Tem problemas, ela, é doente.
Dona Maria não trocou palavras, só olhares. Um olhar simples e triste e cansado e calmo e curioso, se se pode ser tudo isso ao mesmo tempo.
Dona Aparecida manda comida para ela, outras pessoas também. As crianças que levam, às vezes.
Tchau, D. Maria, pode tornar a dormir.
Vai ninar teu filho perdido.
NOMES
Incrível como os nomes enganam quando se tira deles o peso dos anos.
Hoje um rapaz – Ricardo – me emprestou um livro escrito por Cezar Negreiros, intitulado “As Memórias de Santo Antônio da Cruz”, antigo nome do povoado daqui.
Lendo-o descobri a origem do nome da grande cidade aqui da Bahia, ‘Vitória da Conquista’. O que pensar desse nome? Uma conquista heróica? Uma guerra em pró das classes menos valorizadas? Não. Uma chacina de nativos realizada por colonizadores europeus.
Segundo relatos trazidos pelo autor através de historiadores conquistenses, para garantir a posse das terras foi organizada pelo bandeirante João Gonçalves da Costa uma grande festa em homenagem a Nossa Senhora, onde foram convidados todos os nativos, índios botocudos e aimorés. Na festa houve farta distribuição de cachaça e, lá pelas tantas, passaram a oferecer bebida envenenada. Quando perceberam, os que ainda não haviam morrido foram executados friamente pelos colonos com golpes de facão e punhal. Esta noite ficou conhecida como “Festa da Conquista”. Mais tarde: “Vila da Conquista”, e assim por diante.
NEGREIROS, Cezar. As Memórias de Santo Antônio da Cruz. Rio Branco, Acre: Gráfica e Editora Floresta, 1999.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
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