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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Campinarana, BA, 16 de outubro de 2009

Acordei hoje com uma missa apresentada na TV de Dona Aparecida.
Ao acordar, em minha cabeça vieram os momentos de minha infância em que íamos à missa na igreja grande e bonita de Santa Cruz do Sul: eu, pequenina, tentava recitar junto com os demais as respostas ao padre, em um levanta-senta-levanta que não me deixava dormir.
Veio-me, também, a lembrança de quando fiz a catequese, e todas as dúvidas das conversas com os catequistas. De terem me apresentado um Deus que fez tudo, mas que não era tudo - coisa estranha de se crer. De eu questionar quem era o pai de Deus, de me darem respostas finitas: ali acaba o universo, no criador. De minha cabeça de menina confusa com isso tudo.
Da vela em minhas mãos, roupa branca alugada, em pé em frente a tantas pessoas e santos e anjos e o padre a perguntar: “jura sempre respeitar pai e mãe? Jura sempre vir à igreja aos domingos?” e eu a enrugar a testa e só mexer os lábios sem voz – como poderia jurar isso, se minha vida prometia ser tão grande e longa e nunca-se-sabe-o-dia-de-amanhã?
Mas os salmos continuam em meus ouvidos, e as respostas prontas ao padre hoje vieram todas. Respondi em mente junto com D. Aparecida, ali na sala ao lado, agora e sempre, amém.

SOBRE REFÚGIOS


O que sempre me perguntavam é se eu não sentiria saudades de ter uma casa, um lugar para chegar quando, cansada, quisesse descansar dos acontecimentos, das pessoas, dos dias, enfim. Não tinha muitas certezas. Guardava comigo a frase de Mário Quintana, “minha casa é em mim”, mas não sabia ao certo como seria isso, na prática.
Ainda é cedo para dizer. Embora pareça que já estou há meses aqui, foram apenas cinco dias fora de casa
(e até eu me espanto, pensando “só?”). Parece-me muito mais!
Mas descobri, já, que sinto-me em paz quando estou sozinha, em silêncio, longe de todos. Sinto-me acolhida em mim. E procurei lugares aqui de refúgio, os achando de manhã cedo próximo à cruz – ao subir a estrada de chão, à noite ao deitar deixando a luz apagada ao escrever em meio à escuridão e ao lavar minhas roupas na beira do rio. Acho que momentos de refúgio são momentos de estar em casa, para mim. Ao analisar o mapa, decidindo para onde ir no dia seguinte. No banheiro, escovando os dentes. E na estrada, sentada rente à janela do ônibus, no silêncio ou com música a me acalmar a alma. Acho que é isso: tenho a impressão que dentro de mim reside minha morada.

TUDO CERTO, COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO...  
(Caetano Veloso)

Aqui o sol castiga, e o emprego é pouco. Quando não se trabalha na limpeza do povoado, trabalha-se com o transporte das pessoas ou na escola. Afora isso, só em Itambé, na fábrica da Azaléia ou em casas de família.
Dona Aparecida trabalha na escola. Lá o quadro de professores é quase todo de Itambé, com exceção de umas três professoras.
Conversando com Cristiane, a diretora, ela disse que é difícil manter a escola pela quantidade de alunos. “Tem turma que tem três crianças”, diz, “mas não deixamos de fazer a turma para não atrasar os meninos”.
Edvanda, moça simpática e sorridente de uma família de seis irmãs e só um rapaz, contou-me de outra moça que vai sair do colégio. “Ela quer trabalhar, aquela ali vai casar!”. Para isso já decidiu que vai largar os estudos.
Hoje chegou Rafaela, outra filha de D. Aparecida. Risonha, veio de Vitória da Conquista, onde trabalha em uma casa de família, e de 15 em 15 dias vem para cá, para passar uns dias, tomar banho de rio e matar as saudades de casa. Chegou fazendo bolos e guloseimas. Depois trocou contato, ‘orkut’ e ‘MSN’, que ela acessa em Conquista.
O outro rapaz da família foi para São Paulo. “Faz tempo que não liga, e que não aparece também”. Fica a saudade, foi tentar a vida. “É isso mesmo, tem que trabalhar!”

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