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domingo, 1 de novembro de 2009

Poções, MG, 24 de outubro de 2009

Ainda sinto certa resistência, não sei quanto tempo ficarei por aqui, mas hoje saí cedo para tentar conhecer mais pessoas.
Ontem passei o dia todo, praticamente, na casa de D. Maria e Seu Lau. Aprendi a fazer biscoitos e rosquinhas, mas no final do dia percebi que talvez fosse melhor eu sair mais, não depender tanto da decisão de outros de quando apresentar, ou onde. Parece-me que mostrar logo o meu trabalho ajuda na troca, porque, se não for assim, o acordo mudo pende para um lado só, e é minha intuição quem diz que pareço uma intrusa aproveitadora. Vim para trabalhar, não apenas para comer sua comida – esse é o foco, e esquecendo-o por um só dia vi que isso pode trazer malefícios à caminhada.
Na estrada, andando hoje, conheci duas moças: Ilza e Marlúcia. Moram seguindo a estrada, do outro lado da barragem. Perguntaram, perguntei, e entre trocas de informações tive a idéia de levar o Mundo Miúdo para lá, apresentar à tarde para elas e o pessoal, caso não houvesse a apresentação de “Re-Bolando..” De qualquer forma, hoje teria que apresentar algo. E a simpatia das duas moças me ajudou a tomar esta decisão.

DONA BIL E SEU JOÃO DE VITÓRIO

Dona Bil eu encontrei pela primeira vez na descida do ônibus, uma senhora disposta, atenta, de lenço na cabeça que logo perguntou: “vem sozinha, minha filha?” “Vim” – respondi. “Sozinha não, tá é com Deus!”
Hoje, ao voltar de meu passeio matinal, encontrei Seu João de cócoras, fumando seu cigarro de palha. Perguntou de onde vim, “me chamam de João de Vitório, que meu pai se chamava Victorio!”. Conversamos um tempo. Disse que haviam deixado comida na lápide de um falecido. “Onde já se viu? Nunca vi defunto voltar da morte para comer!”, e ria Seu João, com Dona Bil a observar, atrás. “Se tivesse visto antes, tinha comido tudo, enquanto ainda tava bom!” – dizia Seu João. Dona Bil ria e “benza Deus, isso é coisa do demônio!”
Aqui, apesar de ser uma comunidade quilombola, a maioria da população é católica. E os que crêem no candomblé sofrem preconceito.
“Eu já comi muita coisa dessas mandinga, e graças a Deus nunca me deu nada. Eu pego é nada!” – explicava Seu João de Vitório.

Dona Bil me chamou para entrar, tomar uma xícara de café, sair do sol quente. A senhora se importa de eu tirar fotos, fazer filmagem? “Se me incomodo? Eu é gosto!” – e foi lá para dentro tirar o lenço da cabeça, arrumar o cabelo branquinho e pegar a bíblia e o escapulário para tirar foto.
“Já me filmaram rezando lá na igreja, e eu é gosto!” – dava risadas. E ficamos um tempão conversando, ela me falando sobre os filhos, a casa mal construída que ela comprou “tudo com tanto cuidado para o moço construir tudo mal feito”, a barragem, o Luz Para Todos que não dá luz para ela porque é aposentada e pode pagar. “Aí o Espírito Santo da igreja me ilumina, puxo a luz de lá e fica tudo bem!”.
Saí de lá recebendo a benção de Dona Bil, 86 anos, que gosta muito de receber visita porque mora sozinha, “eu e Deus”.
Foi fazer as coisas dela, para lá e para cá. Não pára, Dona Bil. “Deus te abençoe, minha filha. E se Deus quiser a gente se encontra ainda por aí!”.


                             Dona Bil                                                                        Seu João


APRESENTAÇÃO DE RE-BOLANDO

Começou assim, Djalma marcando. Chama aqui, chama ali, no horário determinado tinha uma dúzia de meninos e meninas no Centro Cultural, e um sol queimando lá fora. Vamos fazer assim: eu vou lá, me arrumo. Quando estiver pronta dou uma apitada forte, e aí vou até ali no final da rua chamando o pessoal, quem quiser me acompanhar corre lá. E fui.

Antes do apito já corriam para mim, e já havia umas duas dúzias de meninada. Eu/Palitolina corri, eles atrás, uma bagunça na rua. Uma renca de gente saindo das portas, vendo o quê há. E os olhares arredios agora pareceram alegres, dando a mão para mim, se apresentando. “Logo vou lá”, diziam. E foram.



No Centro, considerando nossa divulgação de última hora, havia bastante gente. Aqui na Comunidade há cerca de 260 pessoas, contando com as fazendas em torno. “Cada vez menos crianças”. E a apresentação foi, outra vez, uma delícia! Com a ajuda da empolgação de D. Maria, os olhinhos brilhavam frente aos números, e o público me impulsionava a levantar voo. “Nunca vi algo assim!”. Ali, depois, as crianças falaram que nunca haviam visto palhaço, nem o circo, muito menos teatro. Uma ou outra criança, que já tinha ido à outra cidade, conhecia ao vivo o circo. E D. Maria lamentava eu morar tão longe, para poder vir mais vezes apresentar para a criançada. “Eles ficaram lá, nem aplaudiam, vendo. Nem sabem como é”.



EMBARAÇO

Foi uma noite dessas, passada como trem que foi e fumaça ficou.
Eu estava aqui, na casa. Tardinha.
Primeiro dia de chegada, povo ainda olhando torto, confiança sendo tecida.

Dia inteiro na casa, só conhecia aqui. Disse que era tardinha? Pois era.
Chegou uma pessoa. Chegou outra. Um violão e um senhor, oba, conversa e música!
Olho para mãos de uma, escapulário.
Olho para outras, outro.
Ai ai ai, é reza. A santinha com a vela. Pensei: é hoje!
Todos católicos, e eu não sendo, sentada no sofá azul, imóvel, pensando: e agora?
Anunciando seria posta para fora, se ficasse não condizia.
Mas fazer o quê? Ajoelhou, tem que..

Um terço não é pouca coisa. E não tinha fim aquelas bolinhas de madeira, santificadosejaovossonome. Havia canções, o que me tranqüilizava sejafeitaavossavontade. E depois leitura da bíblia, um português perfeito assimnaterracomonocéu. E a interpretação do texto opãovossodecadadianosdaihoje foi feita em uma espécie de sermão perdoaiasnossasofensasassimcomonós. E cada um reza sozinho perdoamosaquemnostemofendido. Uma vez por mês a santinha chega aqui, e resolveu chegar comigo enãonosdeixeiscairemtentação. Rezei um pouco com eles e o que achei abusivo fiquei em silêncio, maslivrainosdomal, como seu João, que rezava sem mexer os lábios, Amém.

Um comentário:

Alice Cunha disse...

kkkkkkkkkkkkkk
Amém!

uma vez, ainda pequena li num livro que quem reza todos os dias, está salvo de seus pecados independente do que eles sejam...
acho que vc tá salva, meu bem.

e te digo: até hj eu rezo!