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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Na estrada, de Mogi das Cruzes a São Paulo, SP, 05 de novembro de 2009

Hoje tenho-me a chorar no trem de tamanha felicidade em ter encontrado pessoas tão maravilhosas. Simples criaturas que me receberam como se recebem parentes distantes – em um dia Seu Betinho já tinha a me chamar de “maninha”. Ensinou-me tudo com uma modéstia e cuidado: como se escolhem laranjas e limões, pela casca lisa; como se prepara um bom tempero para salada. Mostrou-me o centro da cidade toda, explicando cada detalhe da mesma – sinto já saudades.


Ia eu apresentar em Mogi hoje, mas para não pegar trem e metrô lotados para a capital, por recomendação de Dona Maria, saí agora, no início da tarde. A linda senhora que não gosta de usar óculos me levou para a estação férrea em seu fusca vermelho, pega o vidro da janela que caiu na calçada, o mesmo fusca que me buscou ontem, quase dez horas da noite, na rodoviária. O mesmo que ‘empacou’ ontem, como ela mesma diz. Normal, empacar. Próximo a rodoviária, chamou um ou outro para ajudar a empurrar, “mas a luzinha não tá nem acendendo, deve ser a bateria” – constatou ela. Problema nenhum. Aos 75 anos saiu do carro, deu-me antes de tudo um abraço apertado recheado de sorrisos e pegou seu celular na bolsa. Com o número na cabeça, discou para o filho. “Oi, é que o fusca empacou, vim buscar a menina amiga da Marisa aqui na rodoviária, você pode dar um pulinho aqui?” Magno, o filho. “Ele é mecânico, conserta caminhão enguiçado, daqui a pouco tá aqui”. Enquanto esperávamos, contou-me que nem estava em casa. “Tava jogando carta!”, sorriu como quem sabe que é arteira, menino que brinca com fogo. Tiramos as coisas do carro, Dona Maria pegou o step que estava no banco de trás e colocou no lugar, lá na frente do fusca. Ia tão rápido que nem dava tempo de ajudar. “É que meu filho precisa mexer aqui embaixo do banco”.


Chegou o filho, simpático como a mãe. Depois de um abraço forte na mãe, “agora fica quieta que eu arrumo”. Ela obedeceu, em dois tempos sentou no cordão da calçada sem nem pedir apoio. Concordou com o filho que a marca da bateria era ruim, quando entrar meu dinheirinho eu compro outra. E ouviu as recomendações, apague o farol quando for dar a partida, terceira marcha para carregar a bateria.

Dona Maria todas as tardes vai jogar carta, e costuma só voltar tarde de noite. “Não levo dinheiro, ele vai só anotando lá. Hoje perdi e depois ganhei, trouxe ainda 19 contos no bolso!”. Ela e seu fusca vermelho, para cima e abaixo. Magno também tem um fusca, amarelo o dele.

Dona Maria teve filho cedo. Com 16 teve o Betinho, e a filha deste com 13 já esperava bebê, daqui a pouco serei tataravó. E eu, caminhando pela cidade para conhecer a região, indo ao mercado, parecia mesmo que já os conhecia há anos, sobretudo Betinho, que eu havia conhecido essa manhã e se tornara ao mesmo tempo amigo, mestre e irmão.





Não achei que felicidade pudesse transbordar assim, de relações tão curtas e de maneira tão silenciosa. Mas escorre água de meus olhos e aqui, no trem, meu coração se inunda de alegria em viver e conhecer tais realidades regadas de doçura e pureza.

3 comentários:

Anônimo disse...

Genifer,

Tô encantado!!! Que delícia de caminho.

Nossa. Lindo, lindo, lindo, lindo, lindo!!!!!

PARABÉNS pela sua arte, pela sua vida. Ótima viagem. Esteja muito bem e feliz!!!

Lindo blog.

Grande beijo.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá Genifer!
Nesse último final de semana estive com minha família, em Mogi das Cruzes. Sou neta da D.Maria, sobrinha do Betinho e filha da Marisa.
Em nosso almoço de domingo minha avó e minha mãe me contaram emocionadas sobre a sua volta, acompanhada de Tintim.
Passaram um longo tempo falando sobre você, sua arte, taleto, persistência, bondade, coragem, criatividade, sensibilidade e tantas outras coisas lindas que me disseram de você, de seu filho Valentim e sua família da estrada.
Intrigada com um trabalho tão bonito, corri na internet buscar mais informações sobre vocês.
Cá estou , encantada e emocionada, assim como eles. Minha família realmente possui personagens incríveis da vida. E me encantou como você, em tão pouco tempo conseguiu captar a essência de cada um. "sorriu como quem sabe que é arteira, menino que brinca com fogo", essa é minha avó, agora com quase 82, mas com essência de menina travessa.
Passei para conhecer mais sobre seu trabalho (desde ontem de noite estou fuçando, blogs, site, vídeos no youtube), mas também para lhe agradecer o olhar sensível que teve sobre eles, você os fez sentirem-se especiais.
Continue emocionando todos aqueles que cruzarem seu caminho, com essa arte tão linda que faz e com esse olhar sensível sobre o outro.
Um abraço apertado,
Juliana
Obs: Se um dia vier a Brasília já tem uma amiga por aqui.