PEQUENOS VERSINHOS DE ESTAR
Embaixo da árvore, aguardo com meu ‘Mundo Miúdo’. Amanhã parto, e partir é nascer. Nem dor nem celebração de festa de calendário preso à geladeira, só um novo recomeço.
O vento em minha face nua faz fecharem-se os olhos, sensação doce de sobremesa de mãe.
Ali em cima jogam a bola azul e branca, ali embaixo passa uma moto com o menino agarrado ao pai.
Nesses lugares, pessoa e artista se fundem. Não sei onde termina uma e começa a outra, se é profissão ou vida, ou ambos, como necessidade vital. E nem sei se é paz a paz que sinto, ou conflito sempre, vivo e eterno. Só sei que sempre há como começar de novo, e tudo é passível de mutação – do sentir à forma de me comportar – nessa minha jornada. Antes de um “ser”, um “estar”. Um seguir em frente em constante observação.
Hoje pela manhã fui com Djalma à Poções de baixo, local de moradia daquelas moças que encontrei na estrada, depois da barragem. Lá havia uma grande família, animada e receptiva a me questionar tudo com os olhos. Mas, como de costume, foi a avó quem mais conversou comigo, mostrando-me tudo.
Simples, muito simples. Com histórias de amor a enfeitar as palavras, Dona Galdina (Diu) falou de seu casamento, uma visagem anunciada por Deus dias antes do encontro com o noivo. Falou dos dez filhos que teve, e mostrou um a um os netos presentes, dizendo os nomes. Disse do filho que teve e que fora levado por Jesus, que não foi por falta de reza que partiu, mas se Deus o queria com Ele, o quê podia fazer? Foi uma tal de doença de Chagas. Que sobreviveram esse tempo todo sem hospital, que agora tudo é muito bom, graças a Deus, que já foi muito difícil.
Enquanto ela falava minha garganta apertava, doía ouvi-la. Doía ver tudo aquilo, tão longe, tão deixado de lado, tão perto do lado de lá, do desinteresse da ciência, dos centros, das descobertas, das artes, até. Doía não ter o que fazer, nem falar, mãos atadas diante da realidade crua.
Mostrei a vovó, boneca pequenina, e acharam que era viva com seus olhinhos a piscar em suas mãos.
Nesse percorrer, tenho tido muitas histórias para contar, coisas que vejo e não sei direito o que fazer com elas. Talvez por isso eu tenho escrito tanto. Quem sabe escrever não é uma forma de deixar que as histórias gritem, se mostrando ao vento e ao tempo?
Seu Valdomiro
SEGUNDA APRESENTAÇÃO DE “RE-BOLANDO..” EM POÇÕES
Estava mais cheio do que ontem, os que já haviam assistido e outros, entre crianças, jovens, adultos e idosos. Muita gente esperando na porta, a se acomodar rente às paredes verdes do Centro Cultural.
Corrida novamente pela rua, chamando as pessoas, cumprimentando os senhores e senhoras das portas abertas das casas.
E, na apresentação, cachorrinho latindo, reações, risos gostosos e contagiantes. “Havia muito tempo que eu não via meu pai rindo assim”, cometou um após a peça. E fiquei emocionada, sorriso sincero também o meu.
Tem sido muito prazeroso apresentar. Cada vez mais sinto que tenho melhorado, brincando mais dentro dos números, curtindo cada segundo. Eu, por mim, não paro. Arrancando graça e achando graça dos acasos que me aprontam.
Quanto ao chapéu, no primeiro dia não deu nem um centavo. “Nunca teve nada assim aqui, a gente não sabia como era”. No segundo dia, de dois em dois reais, mais uma vez deu bem mais do que as apresentações na praça em Salvador, e as pessoas à noite passando aqui na porta de D. Maria para “dar um dinheirinho pra menina, que não é muito, mas é o que tenho, para ela seguir em frente”. Entendem que é um trabalho, não encaram como somente uma diversão para mim. E fico feliz por compreenderem.
VOLUNTARIADO, GRUPOS, TROCAS
“Você se incomoda quando não dá dinheiro no chapéu, moça?” Não – respondo sinceramente. “Seu trabalho é voluntário, moça?” Também não, respondo da mesma forma sincera.
Quando me falam de trabalho voluntário, sempre me arrepia a espinha. Entendo, pela forma de falarem, que este é feito por dois grupos: um que sabe algo e o faz, ou ensina, ou apresenta para o segundo grupo, os que não sabem e aprendem ou assistem. Essa premissa já me deixa mexida: como pode haver alguma pessoa nesse mundo que não tem o quê ensinar, ou como pode não haver interesse mútuo em aprender? Honestamente, acho difícil de crer.
Nos lugares que tenho andado, sempre há o quê aprender. De cada pessoa, independente da idade, vê-se um modo de vida, formas de se enxergar o viver, de reagir, e de contar histórias. Ensinamentos de culinária, de garra, de fé, de desenhos, de estradas.. Basta querer buscar.
Para mim, aquele que se coloca unicamente no primeiro grupo carrega consigo uma posição superior aos demais, conscientemente ou não. E é por isso que me incomoda o assistencialismo, a colonização como foi feita aqui nas Américas e a maioria da forma atual de ensino pregada nas escolas, como peças de quebra-cabeças prontas para ser encaixadas nos alunos. Como se não houvesse nada lá. Como se existisse uma verdade absoluta.
Se pretendo ficar mais dias em cada povoado que visito é, justamente, para que o tempo mostre a eles e a mim que há muito lá, também, a ser mostrado e ensinado.
E é por isso que faço trocas, não voluntariado. Porque o que mais me interessa é a moeda do conhecimento sendo passada, uma moeda que não pode ser medida, gasta ou
equiparada.
Moeda única em cada indivíduo, professor sempre, na estrada inconstante da vida.
Um comentário:
Minha querida!
Sinto-me ao mesmo tempo orgulhosa e
emocionada de tê-la como filha.
Saber que pensas assim e acreditas
no petencial de cada pessoa como
sendo único e rico me deixa muito
feliz...
Siga em frente com este pensamento
e farás muita gente feliz,assim
como tu também o será.
Beijos, co carinho
Mãe
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