Já estou em solo catarinense. E agora, por indicação de uma grande amiga de minha mãe, que sequer conheço mas que sei que faz caixas de papel como ninguém, tenho-me na casa de sua ex-cunhada nesta cidade praieira de ruas finas e casas coloridas. Cheguei e liguei, oi, estou aqui, para que lado vou? Disse me espere que te busco.
Pouco depois chegou de bicicleta: Cássio seu nome. Dezesseis anos, magro, sorriso e aparelho nos dentes. É o filho da ex-cunhada da amiga da mãe – relações longínquas as que estabeleço!
Quando a mãe disse-me que era ele quem estaria em casa e não Dona Zila eu tive certo receio. Acho difícil conversar com pessoas dessa idade, nunca tenho assunto. Mas foi diferente, ele bem aberto e comunicativo, o que facilitou bastante. Vai fazer geografia, gosta daqui demais e da saga Crepúsculo, conversa que rendeu, ele a explicar-me a história e o porquê do fascínio adolescente pela mesma. Tem quase todos os livros, e gosta muito de ler.
Quando passou das 15h fomos à praia. Protetor solar, biquíni, caminhamos até o ponto onde o rio encontra o mar. E que belas paisagens! Ao longe quatro ilhas.
Voltamos e logo depois chegou Zila. Bonita, veio querendo saber da visita. Preparou o café para o filho e o chimarrão para ela, hábito antigo.
Fomos tomar café, pão, salame, cuca, delícias. Chegou Luzia e sentamos na varanda, para conversar.
Luzia é diarista e faz faculdade de história. Divertidíssima. Chegou falando de uma diarréia que teve e ficou tímida ao saber que eu estava aqui: “fiquei com vergonha de você saber que eu também tenho cú”, falou, fazendo gargalhadas brotarem da timidez.
Toda a conversa foi assim, engraçada. Causos de discussão sobre flores, encontro de duas pessoas meio surdas conversando no ônibus, uma dizendo “aham” à outra sem nem saber o quê era dito. E assim ficamos, sem nem saber os minutos que se escondiam no tempo. Logo Luzia foi embora, Cássio foi à escola e eu, Zila e o cão Tingo fomos à praia.
Está aqui há quatro anos. E sente já seu o lugar, nem se imagina fora. Um pequeno paraíso, tranqüilo e sossegado. Contou-me que sua avó veio da Polônia da navio, com dois filhos pequenos – seus tios, passando muito tempo em alto mar. Ela acha que talvez por isso sua ligação com o mar seja tão forte, todos os dias vem caminhar na praia e contemplar as ondas branquinhas.
É professora do primário, 3ª e 4ª séries. Ama o que faz, e já faz há muito tempo – tem alunos que estão com ela há 4 anos, todos os dias, e que insistem que ela pegue a 5ª série. Gosta de ouvir as crianças e também não acha errado dar a eles responsabilidades. Por vezes, troca aulas inteiras para ouvir histórias dos/as alunos/as, o que direciona a aula para “outra coisa, muito melhor!” Falei sobre a educação pública na Bahia, o quanto são heroínas as professoras que suportam, que seguem crendo. Comentamos o quanto é difícil não confundirem autoridade com autoritarismo – como dizia Paulo Freire, a segunda dispensável, mas a primeira necessária. O quanto a falta de limites em casa e em sala de aula leva ao caos que não é criativo, com diálogos permanentes entre os dois espaços, e contou-me como ficou comovida com uma agressão de um aluno para com um professor ocorrida hoje no colégio, que isso na acontece aqui, tudo sempre tão calmo.
Aqui há integração de alunos com deficiência mental aos demais, e não só no papel ou nas aparências como ocorre em Salvador. Na sala de aula, há um segundo professor só para acompanhar a/o aluna/o que tem dificuldades, dando-lhe opções de atividades que se relacionam com as dadas pela primeira professora, e que ele/a pode fazer junto aos demais colegas.
Conversamos sobre o papel da educação, e contei a ela sobre algo que eu soube em São Paulo, com a tia Ângela: da educação de uma tribo da África.
Lá, quando uma criança nasce, a mãe, junto a outras mulheres da aldeia, leva a criança para a floresta e ficam lá até descobrir a canção daquele ser. Encontrando voltam à aldeia e a ensinam aos demais. Toda vez que aquela criança/pessoa passa por um ciclo importante de sua vida – como, por exemplo, o casamento – é cantada por toda tribo a canção. Se por ventura esta pessoa realiza algum delito ou algo que faça mal à tribo, todos no centro da aldeia se juntam ao redor da mesma que, no meio do círculo, ouve a sua canção. Para eles essa é a forma de educar: através da sua música a pessoa relembra suas origens, que não é alguém ruim, e com isso repensa sua forma de agir. No funeral também é cantada a canção, única de cada um e uma, que a acompanha na viagem de partida.
Seguimos para casa, canções nos ouvidos e o som do mar a se espreguiçar ali perto.
sábado, 5 de dezembro de 2009
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