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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Florianópolis, SC, 28 de novembro de 2009

Acontecem coisas estranhas.

Hoje acordei, olhei a maleta, assustei-me, está acabando o dinheiro, há muito, muito pouco. Pensei MERDA, ou peço emprestado para seguir ou trabalho mais, não há mais como evitar. Fui para a lona do Anjos de ônibus a pensar: fico mais um tempo e faço em escolas, aproveito o fato da Paula conhecer a cidade, ser professora, a hospedagem, faço dinheiro, será que consigo?
Cheguei na lona, assisti a um espetáculo, o próximo é de Chacovachi, grande mestre. Sentei-me. (Tempo). Início, apreciei, aprendi, me encantei.

Passou o chapéu e, enquanto falava, ocorreu-me de pela primeira vez não tirar, automaticamente, algumas moedas do bolso furado da pochete. Ocorreu-me de pensar sobre o dinheiro, de não pagar me livrando das moedas como um descargo de consciência, um “pronto, paguei!” Ocorreu-me de não pagar, de ouvir as palavras de Chaco para que sejássemos sinceros. Tinha algumas moedas, poucas descontando o dinheiro do ônibus de volta e de um possível lanche para passar o dia. Mas aquilo não era esmola, ele merecia mais, e vi que não podia. Então não dei nada. E sentida fiquei, querendo ter para dar. Aí segui a fala de outro mestre, este de Salvador: engole, e segue.

No final Chaco juntou o dinheiro em um saco. Era um público enorme! Disse que não precisava, que estava sendo pago, que passava porque era importante na rua, porque há os que vivem disto. Aí então seguiu com seus atos inesperados: chamou no centro todos os que viviam da arte de rua.
Em segundos minha cabeça deu nós grandiosos: sou ou não sou, afinal, artista de rua? O quê é ser, viver disto? E não vivo eu disto? Pois sim, agora, nos últimos meses, vivo. Então, não sou? Pois sou. Mas não vou, pensei, tenho vergonha, não preciso que saibam, me mostrar assim aos demais, como quem quer aparecer.. Aí ao lado me apontaram, vai, tem que ir. Vai, você é. Pois sou – pensei. E qual o problema, porque a vergonha, porque é pouco o tempo? Mas sempre haverá de ter o pouco para que o muito se estabeleça, não? Fui, cabisbaixa ainda.

Chaco entregou o saco de dinheiro para que dividíssemos, igualmente. Aí quase chorei, emoções fortes perseguem meus dias, preciso,não há como negar. Não sei ainda como fazer dinheiro suficiente na estrada, estou aprendendo. Engoli o seco que contrastava com meus olhos, úmidos. Não, não vou pedir dinheiro emprestado, é esta a minha profissão, devo arcar com a dor e alegria de tê-la.
Terminado, abracei Chaco, não consegui falar muito. Não era só o dinheiro, era ele, sempre, incentivando, sendo.

E frente a ele e após uma apresentação onde várias ações saíam visivelmente do controle – o que chamariam de ‘erro’ que não colabora com o espetáculo – veio-me uma pergunta, e a fiz. “Quando as coisas vão em um ritmo de não dar certo, não tens medo de dar errado, de não conseguir finalizar os números?” Chaco respondeu-me prontamente que há várias possibilidades, e não há como ter erros porque pode ser qualquer coisa, é rua. Há erros se você considera acertos. Disse-me que por poder acabar de qualquer jeito, não há o que temer. As coisas simplesmente são como são.

Foi dar uma entrevista, e eu fiquei. Fiquei com minha cabeça em febre pensando se um dia conseguiria considerar isto, de fato e à vera, em cena.
Aí veio uma moça, crachá, oi, a Julie e o Avner querem ver o Mundo Miúdo. Disse.. como?? Eles souberam do trabalho, e querem ver. Estremeci. Disse que a caixa havia ficado em casa, que ia trazer, mas que essa manhã havia passado horas a tentar consertar o dimmer e os led’s que queimaram na última apresentação, não tendo sucesso. Não estava apresentando assim porque prejudicava a qualidade, não queria, seja para quem fosse, e por isso não havia trazido ainda nem apresentado desde o ocorrido. Ela perguntou amanhã talvez, eu disse que sim. Lembrei das horas de tentativa hoje, das lágrimas, do por quê logo agora que eu poderia apresentar no Anjos e conseguir uma grana – pensamentos destes dias. Pensei “passo a noite a consertar, se preciso, vou conseguir, é o Avner! Se foi.
Fiquei por ali, perambulando por sob a lona. Dali a pouco vieram, os dois, Avner e Julie, para falar comigo. Pediram para ver, disse ai. Lembrei-me da vovó que eu carregava no bolso. Tirei, arrumei entre os dedos e mostrei.


Espantei-me com o espanto deles.
Foram momentos preciosos para mim! Pediram para filmar, tirar fotos. Eles pedem? Não, era eu quem deveria pedir! Fiz o mesmo. E, ao final, espantada ouvi do Avner, ao elogiá-lo: “sim, fazemos a mesma coisa” – referindo-se ao meu trabalho, à vovó. Fazemos a mesma coisa correu em minhas entranhas. Fazemos a mesma coisa.. fazemos a mesma coisa.. Ainda agora penso sobre isso, comovida.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nada acontece por acaso...
Quando acreditamos em algo,quando realmente acreditamos em algo,nada
pode obscurecer uma verdade...
Dificuldades,obstáculos,dúvidas...
Que nada!
Somos o que acreditamos!
Somos o que buscamos!
Que tua busca te faça maior e mais forte...para continuar acreditando!!!Ruth.

Diane disse...

Essa eu ainda não vi...quero muito!
Quando vejo uma história dessas como a sua eu "acredito que acreditar" é o que nos move. Muita força na sua caminhada!

Angela disse...

Que linda postagem.Todas são lindas, mas esta aqui é ainda mais linda!