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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Vacas Gordas, SC, 07 de dezembro de 2009



Novamente povoado pequeno, sem crianças, estrada longa de chão a derrubar a bagagem e choro, hoje no banheiro.

Saí de Floripa às 12h, era o horário mais cedo para Urubici, próximo ao povoado eleito no mapa, desta vez, pelo nome: Mundo Novo. Há de ser novo, há de ser.
No caminho, na parada, conversei com o motorista. Ele disse que não indicava este povoado, turístico, só tinha hotel caro e restaurante. Disse que fosse para Urubici, turístico também, mas maior e talvez mais barato. E bonito, natureza bela. O ônibus foi chegando. Cidade não acabava, pousadas e hotéis bonitas/as, pensei ai. Deve ser 40 reais a diária dos hotéis baratos, disse o moço que viajava também no ônibus. Tornei a pensar um ai todo cheio de pingos de “is”.

Não havia rodoviária, desci, tornei a falar com o motorista, não há outro lugar, um menor, um povoado? Sugeriu Vacas Gordas. Passa lá agora? Passo. Corri para comprar a passagem, vou em frente.
O motorista, atencioso, deixou-me na beira do asfalto, é ali, seguindo esta estradinha. Você falou pequeno, aqui é pequeno! Tem uma pousadinha no fim da rua, o pessoal te informa. Eu disse tá! Mas a agonia e o medo não passavam, acompanharam-me durante todo o percurso, como em Dourados, como em São João da Graciosa, nas vésperas. É algo que avisa e ainda não sei como é. É algo que se confunde com o medo rotineiro, mas dói um pouco mais.





Na estrada de chão de Vacas Gordas, retrato quase fiel da experiência de Minas, uma só rua. Só que sem pessoas. Achei apenas uma mulher na janela de madeira. Foi muito, muito simpática. Acalentou-me um pouco com seu sorriso, e paciência em explicar, e em querer saber. Não tem mesmo crianças por aqui, vai para Pericó, lá é maior, é bom. Perguntei, dá hoje? Não, amanhã de manhã, só.
Segui a estrada. Frio.







Tudo que havia de calor lá, há de frio aqui, serra é.
Encontrei a pousada, uma casa de madeira amarela, a última da rua, com boca de leão amarela na frente. Encontrei o dono, expliquei, levou-me para dentro para falar à mulher. Falou para sentar. Expliquei para ela, nenhuma expressão de felicidade, deve ter dito “maluquice” lá dentro dela. Silêncio. Absoluto. Mais silêncio. Tornei a perguntar do preço, porque ainda havia às 18h um ônibus retornando, sabia comigo. Ela disse 20, com jantar e café. Eu concordei com a cabeça, disse que ficaria até amanhã. Mais silêncio, nenhum movimento. Até que foi arrumar o quarto, levamos, eu e o marido, minha bagagem para lá.

Pouco depois falou meio baixo, faço 50 com janta, acho que ela deve ter pensado maior, digo, melhor. Acho que dentro dela se arrependeu do preço, disse posso conseguir mais, e resolveu tentar. Eu disse não tenho, e realmente não tenho, há 40 comigo e preciso pagar o ônibus, hoje me liguei do absurdo de andar com tão pouco. Ela pensou novamente, a deixar o silêncio, rei da casa, retornar. E dali a pouco disse quanto tem? Eu disse 40, mas preciso para voltar. Ela falou que ia fazer uma janta mais simples, tudo bem, qualquer coisa se for ruim por 20 não precisa de janta, só dormir. Ela disse que tudo bem, faria algo, não tem problema.
Eu fui para o quarto com o coração apertado da frieza, escondi-me no banheiro a chorar, no espelho meus olhos clamavam pela minha mãe, tia, algum abraço. No espelho quis novamente, por segundos, parar com tudo, seguir reto. Mas não, mas não.

Enxuguei as lágrimas.
Assuei o nariz.
Lembrei das felicidades que andam comigo, com suas pegadas bem mais fortes, rastros.
Lembrei das pessoas, das pessoas que conheci e de tudo que ainda havia para conhecer.
Lembrei dos amigos e amigas de Salvador, da força que me deram na última apresentação por lá.
E saí.

Pouco depois ela chamou para tomar um café.
Aí em seguida cansei do silêncio que corrompia a casa e resolvi dar uma volta, casaco, sentei em uma ponte e tenho-me a escrever.


Passou dois senhores por aqui, um de cada vez. Conversaram comigo atentamente, um disse haver criança sim, só eu tenho dois netos. Se juntasse tudo daria, pena já ser 19h, pena a mãe não estar aqui para ajudar a organizar. Senti nele interesse, junta os adultos para ver também, né?! É bom, é bom! - disse ele.
Amanhã o ônibus para Pericó passa às 9h, único. Se achasse alguma casa para ficar de graça tentaria reunir os pequenos, mas tempo não há. E nas paredes onde estou não quero ficar mais. Nem posso, nem posso.
Meus dedos doem do frio, voltarei para o silêncio.
Amanhã é outro dia, hei de encontrar sol e canções de sorrisos para seguir.

MESMO DIA, NOITE

Fez batatas fritas, adoro batatas fritas.
Comida gostosa, comemos juntos os três. Mas há algo de não simpatia d’ela comigo, de mim com ela.
Trocamos algumas palavras como quem liga um rádio para espantar o vazio. E depois da janta ofereci-me para lavar a louça, ela disse não precisa, mas foi trazendo pratos e talheres e bandejas e panelas infinitas para eu lavar.
Ao final, juro que sem querer, quebrei um copo. Leve batida na xícara, realmente leve, mas o suficiente para se partir. “Sorte pra ti”, disse ela, sorriso no rosto.

Os objetos devem sentir a vibração do que em torno está, só pode ser.

3 comentários:

Angela disse...

Que relato interessante, nossa!

Anônimo disse...

Minha querida...
Dói meu coração saber-te triste
enquanto saistes para espalhar
alegria...
Mas sei também que a tristeza
faz parte do percurso e,por
mais que não queiramos,de vez
em quando nos deparamos com ela...
Só posso te enviar, uma vez que
tão longe estás,meu grande amor
e minha certeza de que "tudo vale
a pena se a alma não é pequena."
Um grande abraço, mãe.

João Inácio disse...

Por vias tortas, acabei no teu relato. Bem, minha família é de São Joaquim, espalhada pelos distritos e localidades do Interior, Pericó, inclusive... Imagino a barra que tu passou. O povo de lá é um pouco menos que simplório, eu diria... Sem as "conexões" certas tu não consegue às vezes nem uma conversa... A natureza é exuberante, mas a vida é difícil, é dura, o frio do clima que torna as lides e o trabalho um pesadelo se imprime nas pessoas. Eu sei, pode parecer meio fatalista, mas é isto. E olha que eu nem sou dos seres mais sociáveis (rsrsrs), algo daquela frieza ainda ronda minha alma, sei lá. Faz séculos que não vou a Pericó e arredores. A natureza é linda lá, mas não pretendo voltar. Nunca mais.