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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pericó, SC, 08 de dezembro de 2009

Saí cedo de Vacas Gordas, fui para o asfalto a esperar o ônibus. Demorou, mas passou. Coração mais tranqüilo, passa em Pericó moço? Passo.






Cheguei no povoado pelas 10h 30min. Um lugar rodeado de morros, um verde vivo, de pintura de crianças. Gado em torno, leve vento ou brisa gelada, eu desde ontem uso as meias que até então eram peso, só, na mochila. Desci e as pessoas ofereciam-me sorrisos, pensei que bom. Indicaram-me ali é a creche, lá em cima a escola. Fui até a creche, vizinha simpática, expliquei à professora, faço apresentação, só preciso de um lugar para ficar, cantinho pode ser. Ela me disse que fosse à diretora da escola, vai lá, seguindo o asfalto, subindo ali.
Fui.





Chegando lá as crianças se aglomeraram, quem é? Quem é? A diretora não estava, a professora (que era outra) trouxe um suco de morango delicioso – para mim o melhor dos sabores – e sugeriu que eu esperasse, ela vem já, foi ali.
Eu era só esperança.

Demorou até chegar, mas veio. Enquanto isso as crianças faziam companhia, vai ficar? Vai apresentar? Disse não sei ainda, se achar um lugar para ficar apresento. Veio uma, fica lá em casa! Disse não é assim, tem que falar com tua mãe. Mãããããããe (só ali descobri que uma das professoras era a mãe dela) – entrou na sala, voltou, a mãe não deixou, disse.
Veio a diretora, fui falar com ela. Eu sou a pessoa menos indicada, não moro aqui, não conheço – ela disse. E eu falei então vou dar uma andada, ver se consigo algo.
Voltei, fui passar em frente à vizinha simpática, achou a escola? Achei, mas as professoras não moram aqui, não consegui. Joguei verde, ela já sabia de minha história, pensei, se for tranqüilo ficar aqui ela vai oferecer. Não, entrou. Então não é – constatei.

Voltei mais, em frente ao lugar onde desci de ônibus encontrei o professor. Perguntou-me se achei algo, algum lugar, eu disse que não. Chamou um senhor, Seu Nelson, o senhor sabe de algum lugar que ela pode ficar? – e tornei a explicar quem era, o quê fazia. Ali em casa é muito pequeno, senão ia para lá. Mas talvez na casa do Seu Mário, o que toma conta da paróquia, vai até na casa, a esposa dele está lá. Era para lá da estrada de asfalto, para lá ainda da escola. Foi comigo até uma parte do caminho, até ajudou-me com alguns passos a carregar o carrinho, como é pesado, dizia. Dali a pouco disse é ali, depois da casa grande de madeira. Deixou-me seguir sozinha, talvez tenha pensado vai que é encrenca, e eu levando na casa dos outros. Voltou ele, eu fui.

Parei em frente. Bom dia! – chamei. Vi movimento no interior. Esperei. Bom dia! – tornei a chamar.
A cabeça de mulher mostrou-se por detrás da cortina durante dois segundos, depois se escondeu no pano beje. Ficou a me espionar por um tempo, só olhos assustados era, e eu sem entender.
Ficamos assim, jogo de pique esconde. Aí eu disse não, medo de mim? Se é assim volto, e sigo para o sul.
Voltei tudo.

Na mesma rua encontrei outra mulher em sua casa com crianças, tentei, sempre deixando brechas para que o silêncio mostrasse o querer dela, e novamente recebi um não pela falta de convite.
Lembrei das chegadas nas outras cidades, o quê há? Qual a diferença? Por que tanto receio aqui, tanto medo? Por que tão difícil dialogar?
Voltei para o lugar onde desci do ônibus, confusa e cabisbaixa com minha coluna gritando. Só tento trazer alegria, não quero gerar medo, nem ser um estorvo, nada de desconfianças. Alegria, só – eu não passaria por tudo isso se não fosse esse o meu querer.
Pensei em apresentar assim, mas não havia como. Nem praça. Nem gente parecendo querer, afora as crianças que já haviam ido embora da escola. Sentei no cordão da calçada – são cordões que sempre me acompanham, desatando meus nós – e fiquei lá, triste escondida por debaixo do casaco. Era meio dia, ônibus chega às 16h 30min. Esperar, só. Recomeçar, só.

Seu Nelson do outro lado da rua viu minha tristeza, veio, espiou pelo casaco, não chore, vem almoçar, vem. Fui, Dona Altair ofereceu-me feijão quente e sorriso, não perguntou nada, só ofereceu. Eu, calada, comi, gosto de comida de mãe. Suco de maracujá. Já haviam comido, Dona Altair ia e vinha da cozinha, Seu Nelson na cadeira de balanço no canto da casa. Dali a pouco veio a senhora a falar: “quer ver uma coisa que me fez chorar? Veio uma vez um homem aqui, ficou ali, do outro lado da rua, passou a noite ali”. Dona Altair pôs a mão na boca, a esconder o encolhimento dos lábios, correram lágrimas de seus olhos claros. “Podia ser um irmão nosso, estava tão frio!!” Contou que fez um café para ele chorando, tão frio – encolheu os ombros – e levou para ele com comida e cobertor, mas estava muito, muito frio. Ela chorava, e eu com ela. Continuou: “perguntei se ele tinha mãe, vai pra casa da tua mãe, homem”. Disse que quando amanheceu ele havia deixado o prato e o cobertor na frente da casa, não estava mais lá.
Dona Altair enxugou as lágrimas, voltou para a cozinha. E dali a minutos já contava, sorridente, pano de prato na mão, do curso de corte e costura que fazia, dos fuxicos, (quer ver?), da paróquia que cuidava também, das vendas Avon, da correria que era sua vida. E gostava!
Quando saiu, pouco antes do curso, saí junto, vou esperar ali, vou ler, logo passa o tempo. Dei um ‘tchau’ para Seu Nelson, um abraço em Dona Altair, muito obrigado aos dois, se cuida menina!

Atravessei a rua.
Escrevi umas três palavras e chegaram duas meninas puxando conversa. Uma de quatro anos, outra de seis. Uma morava em frente, vizinha de seu Nelson.
Conversaram sobre tudo, brincadeiras, músicas, sacolés, apresenta pra nós? Insistiram para que eu mostrasse o nariz, a “bolinha vermelha”. E não há nada como crianças tagarelas, sem que eu perguntasse contaram: “todo mundo achava que você era mendiga!” Espantei-me, é? É. “A minha mãe também achou” – disse a outra, a menor. Pensei em como eu estava vestida, por conta do frio, saia, tênis com meia também colorida, camisa larga – única de mangas longas que eu trazia comigo. Pensei “era só o que faltava, agora me preocupar com isso”. Lembrei da mãe da menina menor que havia vindo pouco antes conversar um pouco comigo, do quanto espantou-se quando eu disse ser formada pela universidade federal, “ah, é?? A federal é difícil de entrar, é concorrida.. você é inteligente, então” – constatava ela. Lembrei de seus olhos de espanto, de suas perguntas. E seguiram as meninas falando, “mas todos acharam você bonita”. Imaginei as conversas, as contradições entre os falantes, os ‘achismos’. Desloquei meu pensamento – não queria imaginar, supor. Recomeçar, só recomeçar.

As meninas depois foram, eu segui com a espera. Vieram alguns homens fazendo também perguntas, não cansa de andar? Canso, às vezes canso. Mas compensa, depois – recordei os olhinhos brilhando dos pequenos, as lições dos avôs e avós.
Dali a pouco frio, eles já tendo ido embora, mais frio. Eu, encolhida, tremia. Doíam as orelhas, ponta de nariz, bochechas. Doía a boca e as polpas dos dedos que eu tentava esconder do vento brincalhão que se divertia com minha tentativa imóvel de fuga.

E nada do ônibus, minutos dilatados.
E começou a chover, escondi tudo em um pequeno telhado ao lado, e mais chuva, e mais vento, e nada de ônibus, passou a hora, já. Minutos vagarosos escorriam pelos pinheiros. Tempo. Tempo. Tempo.
Só bem depois veio o ônibus, muito atrasado, entrei. Fiquei longos minutos ainda a tremer no ar quente e agora confortável. Tempo. Tempo. Até acalmar as extremidades frias. Até acalmar o medo que me causava o medo.

Cada vez está mais difícil. Achei que o início seria o pior, mas é agora que temo mais. Porque há agora comigo o saber de que posso não ser aceita, de que podem não ter coragem de me acolher, de que há detalhes demais nos primeiros encontros que devo cuidar. Hoje sei mais e isso deixa-me insegura, o contrário do que supus. Há só vontade, ainda, e muita. E esperança. Mas dói-me a coluna, as mãos já com numerosos calos, as pernas. Mas dói-me o medo dos outros, as desconfianças, as suposições tricotadas sempre do outro lado das ruas.

Já estou perto, e que bom. Está ficando pesado. E, infelizmente, está deixando de ser simples.


Pericó

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